10 de junho de 2016

Família de coração

  Passar o aniversário longe da família e amigos, pode ser muito desanimado.
  Aqui no vilarejo tenho pouquíssimos amigos, nenhum parente, então nem programei nada em especial para o meu aniversário. Eu pensei que iria ser uma dia normal para mim, mas me enganei...

  Ao acordar, começaram as surpresas, e a primeira foi da missionária que mora comigo. Além de tudo, no cartão que escreveu, ela me agradeceu por ser como uma irmã para ela, já que a única irmã que ela tem está nas Filipinas... Depois, as missionárias da África do Sul junto com suas filhinhas adotivas, me levaram para um lugar com uma vista sensacional para comer sobremesas e bebidas típicas tailandesas. Além da companhia e os presentes que recebi, elas me adotaram como alguém da família (uma falou que é a minha mãe, a outra a minha avó, e as gêmeas são minhas irmãs menores).  Ao chegar em casa, ainda tive bolo surpresa na minha cor favorita feito pelas crianças aqui do ministério.
  Foi de fato um dia surpreendente! Não foi um dia normal, foi um dia especial, e Deus me trouxe à memoria algo que Ele falou para mim durante um evangelismo no sertão da Paraíba, há um ano e meio atrás:

"-Eu vou tirar você da sua parentela e levar para uma terra distante, mas como recompensa vou lhe dar muitos irmãos, mães e pais lá..."


  Vejo o cuidado do Senhor em não me deixar sozinha. Eu estou cercada por Sua presença todos os segundos da minha vida e também rodeada de pessoas que me amam e têm sido uma família para mim aqui na Tailândia. O que sentir além de gratidão?


"Jesus respondeu: -Eu afirmo a vocês que isto é verdade: 
aquele que, por causa de mim e do evangelho, 
deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou 
terras receberá muito mais, ainda nesta vida. 
Receberá cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães..." 
(Marcos 10. 29-30)

O papel do Missionário

Texto traduzido e adaptado*
Eu sempre quis ser aquela pessoa de camiseta laranja, escrito: “Voluntário”. Ou a camiseta cinza ou azul da ONU. Cada organização, eu queria uma cor de camiseta diferente.
Eu sempre quis ser a pessoa ali no chão, no campo, entregando água potável às vítimas de um tsunami, distribuindo sacos de arroz para pessoas famintas ou segurando a mão de um órfão que chora a perda da mãe. Eu sempre quis SER realmente as mãos e os pés de Cristo em um mundo que sofre, mais literalmente do que de forma figurada.
Nas trincheiras. Com as mãos sujas de terra.
Erguendo minha própria espada contra a injustiça do mundo. Abraçando com meus próprios braços as crianças esquecidas.
Porém, temos vivido do Sudeste Asiático por aproximadamente um ano. Meu marido e eu temos entendido que por termos nascido como ocidentais com dinheiro e estudos, talvez nunca venhamos a usar uma dessas camisetas que mostram os voluntários das organizações em contato com o povo de um local onde as pessoas estão sofrendo.
Por que, honestamente, as pessoas locais estão mais preparadas a serem as mãos e os pés de Jesus em suas próprias culturas do que eu, uma americana e missionária há um ano. Eles falam a língua local, vivem realidades próximas e possuem um conhecimento intrínseco da cultura que meu entendimento ocidental nunca vai conseguir compreender inteiramente. Assim, as pessoas igreja local são, naturalmente, as melhores pessoas a vestirem essas camisetas.
E isso é algo difícil para eu aceitar.
Por que, de repente, meu papel acaba sendo muito mais de “por trás das cortinas” do que algo na linha de frente, óbvio e claro. E isso causa conflitos porque programar sites em frente a um computador não parece tão inspirador. Levantar sustento para uma organização escrevendo emails não parece tão emocionante, e administrar as finanças de um orçamento com certeza não se equiparam a resgatar uma criança. Ainda assim, essas habilidades, por mais sem glamour ou sem importância que pareçam, elas são umas das únicas que eu e meu marido podemos oferecer.
Na semana passada, li sobre a batalha que o povo de Israel teve a caminho da Terra Prometida (Êxodo 17). Era Josué que estava nas trincheiras desembainhando espada, mas era Moisés que estava no alto do vale com seus braços levantados, garantindo a vitória sobre a batalha abaixo dele. Mas existem ainda dois outros homens, menos lembrados que Moisés ou Josué, Arão e Hur, que literalmente ajudaram Moisés a manter seus braços erguidos — ambos levantados acima da cabeça, um dia inteiro.
E isso me impressionou pessoalmente, porque meu marido e eu viemos para o campo achando que seríamos Josué, o cara com a camiseta da organização, os soldados na linha de frente.
Mas a verdade é que, de diversas maneiras, nós fomos mais necessários como Arão e Hur: servindo de maneira pouco ‘emocionante’, silenciosa e discreta, segurando os braços cansados de algum cristão local.
Acredito que o motivo dessa ideia ter me incomodado nos últimos meses é porque vim para o Sudeste Asiático com um pouco daquele “complexo de herói” ou “complexo de Salvador”. Eu cruzei os oceanos porque assumi a ideia de que eu tinha as respostas, as habilidades e recursos que essas pessoas precisavam.
Mas eu estava errada.
E agora me pego pensando em quanto o meu ministério foi motivado por uma ambição interesseira, pensando em quanto o meu “amor ao próximo” foi envolvido por uma expectativa dramática de emoção e romantismo.
E isso é difícil de admitir. É difícil admitir que eu talvez tenha servido com um interesse pessoal. E, humildemente, ainda acredito que isso acontece. Porque o amor verdadeiro pelos órfãos não se importa com cargos, reconhecimento ou emoção. E porque o cuidado verdadeiro pelos mais desfavorecidos não tem interesse em tapinhas nas costas ou a cor da camiseta que você usa.
* Laura Parker é missionária e escreveu o texto “O cara de camisa laranja
(foto: ONU/Eskinder Debebe)