15 de agosto de 2017

Vida missionária e a Solidão

  Uma vez ouvi uma pregação que dizia: "Se você quer viver seu ministério, aprenda a lidar com a solidão.", e confesso que somente após alguns anos é que eu vim entender o sentido dessa frase.

  Ser um missionário é de fato desafiador, mas ser um missionário em outras nações é muito mais e por mais que eu ouvisse e me preparasse para isso, nada é como sentir na pele todos os desafios de missões transculturais.
  Antes de tudo quero deixar claro que sim, eu fui chamada para as nações, amo novas culturas, tenho uma certa facilidade de adaptação e tenho muito mais para agradecer que qualquer outra coisa. Não estou reclamando, pois Deus tem sido fiel nos mínimos detalhes e derramado Sua graça para eu estar onde estou e fazer o que faço, mas também é verdade que solidão é um fator presente.

  Solidão emocional e espiritual

  Primeiro, por mais que você aprenda a língua da nação que você está, e se vista com roupas típicas e coma qualquer tipo de comida, ou até mesmo por mais que você se sinta tão confortável ao ponto de chamar seu campo missionário de "casa", esse não é o seu lugar de origem. Todas as suas memórias vêm de longe, o contato com a sua família será limitado a horários e uma tela de celular ou computador. Você tentará cozinhar o sabor do que é familiar pra você, mas sempre falta aqueles ingredientes impossíveis de encontrar em outros continentes e faltará também o aconchego da família reunida num domingo. Você fará novos e muitos amigos, mas por tantas diferenças culturais às vezes você se sentirá incompreendido. Por tantas vezes sua mente ficará cansada e tudo o que você vai querer é falar sua língua materna, ter o ombro dos seus amigos de infância, abraçar as pessoas mais importantes da sua vida, estar presente nas datas especiais, e muitas vezes você desejará ter o dom de se teletransportar só para matar a saudade. Confesso que às vezes evito falar sobre o que sinto com os que deixei no Brasil simplesmente por não querer fazê-los sentir mais saudade ainda e acabar se preocupando comigo. Não é fácil.

  Também é difícil sentir que estamos sendo esquecidos... Conheço muitos missionários de diferentes países, e apesar de nossas diferenças temos algo em comum: sentimos falta da nossa igreja local. Enviar um missionário é muito mais que levantar ofertas! Enviar um missionário é se comprometer que independente da nação que esse missionário estará, ele será cuidado, mas na maior parte do tempo nos sentimos como ovelhas sem pastor e sem rebanho. É preciso entender que um missionário enviado para algum lugar, não estará se desligando da igreja local, pelo contrário, estará somando, então por que acontece de sermos enviados e raramente continuarmos sendo pastoreados? Por que somos esquecidos por nossa igreja no momento que mais precisamos?
E os missionários solteiros espalhados pelo mundo? Nós também temos sonhos de construir uma família, ter alguém para segurar a mão e continuar a caminhada. Para os solteiros eu diria que a solidão ainda é um pouco maior, pois nos sentimos sozinhos no mundo em todos os sentidos. Na maioria das vezes o missionário é solteiro por falta de opção mesmo, por viver no meio de um povo não-cristão, barreiras com o idioma, ou mesmo tantas missionárias que vivem em lugares de risco e culturas opressivas que as fazem sentir desprotegidas e vulneráveis, pois em muitas culturas é mais difícil para as mulheres missionárias.

  São tantos dilemas, conflitos internos, coração dividido entre os que deixamos para trás e os não-alcançados, incluindo alguns medos e inseguranças, mas também muitas surpresas boas pelo caminho. Deus é aquele que nunca nos deixa, Ele é Emanuel-Deus conosco e o que nos sustenta em todos os aspectos dessa vida missionária. Aquele que nos traz paz e consolo quando as lágrimas vêm, assim como nos renova quando as forças se vão. Por isso, outra vez digo que tenho muito mais para agradecer que qualquer outra coisa! Se eu não obedecesse ao chamado jamais teria conhecido as pessoas que conheci e vivido tantas experiências inesquecíveis. Cresci, amadureci, tive meu coração roubado por vidas que encontrei pelo caminho, fui transformada.
Nem sei se esse texto é um desabafo ou um incentivo para dois grupos de pessoas: Os que vão e os que ficam.

1. Os que vão- Para você que tem chamado missionário, para os que já estão no campo ou para os que ainda irão eu só posso dizer que vale muito a pena viver os sonhos de Deus. Ser missionário é um privilégio e exige muita coragem, mas o mesmo que nos chamou irá cuidar de tudo que diz respeito a nós e cumprir exatamente todos os Seus planos em nossas vidas. Também nos ajudará a lidar com a solidão derramando Sua graça sobre nós. Quando cansar e se sentir tão sozinho não esqueça que Ele está presente e é a fonte inesgotável de graça que jamais te esquece.

2. Os que ficam- A família, os amigos e a igreja eu peço que não esqueçam os seus missionários. Demonstrem mais o quanto vocês se importam e ajude-os a segurar a barra que não é fácil. Muitas vezes eles vão lhe contar novidades sobre o que estão fazendo em missões, mas dificilmente irão te contar como se sentem pessoalmente, então essa é a hora de você demonstrar que ele não está sozinho. Sabemos que não é fácil para vocês também, mas enquanto você doa suas orações e ofertas financeiras, nós, missionários, doamos nossas vidas por inteiro. Encoraje mais, procure mais, se importe mais, lembre mais, pergunte e escute mais. Faça uma ligação via internet, envie palavras de ânimo, abrace nossa causa. Cuide dos seus missionários que continuam sendo parte do Corpo de Cristo. Não nos deixe tão sozinhos, mas ajude-nos a suportar a solidão.