21 de maio de 2017

De volta para casa

Certas situações você preferiria não vivenciar nunca, mas elas estão diante de nós e não há como evitar, assim como também não há como esquecer.

  Durante a maior parte da minha vida não tive nenhum contato próximo com a morte: nunca tinha visto ninguém morrer ou tampouco perdido alguém, até começar a estudar enfermagem e tudo mudar...
  Vi jovens e idosos partirem, e também vi milagres mesmo quando a medicina já tinha cortado qualquer fio de esperança. Vi pessoas lutarem pela vida enquanto outras desistiam. Ouvi muitas vezes o monitor cardíaco parar, mas ver pessoas morrerem nunca será algo comum para mim, e se torna mais doloroso ainda quando há apego. 

  Vim para Tailândia destinada a cuidar de pacientes HIV+, mas na realidade eu não tinha noção do quanto seria árduo essa escolha.
  Eu a vi chegando numa cadeira de rodas, tão debilitada, tão magrinha e tão jovem! Pla (nome fictício), tinha um rosto bonito e era vaidosa, e duas semanas foram o suficiente para amá-la e conhecê-la mais. Foram duas semanas que marcaram a minha vida para sempre! 
  Eu dei o melhor enquanto cuidei dela e emprestei toda a minha dedicação mesmo quando não falávamos a mesma língua. A vi sofrer muito entre os seus 9 diagnósticos e eu sofria junto por não poder aliviar sua dor, mas também lembro com doçura às vezes em que ela segurava a minha mão e sorria, ou quando eu acabava algum procedimento e ela juntava as mãozinhas e fazia o sinal de agradecimento. Desenhou florzinhas e corações como forma de me presentear e também vi seus olhinhos asiáticos encherem d'água enquanto cuidava dela. 

  Vi o desejo de Pla de continuar viva e concluir seus sonhos e planos, mas o fato é que ela estava morrendo aos poucos, e eu sabia que não me restava muito tempo e eu não podia deixá-la partir sem conhecer o verdadeiro caminho de volta pra casa: Jesus! Cinco dias antes de sua morte, esperei ela terminar de jantar e com a ajuda de uma tradutora comecei a falar de Jesus. Ela estava cansada, sem energia naquele dia, mas estava totalmente consciente, e falou que não conhecia Jesus. Eu O apresentei a Pla e falei de Seu amor, Seu perdão, Seu sacrifício e perguntei se ela queria Jesus em sua vida e se um dia gostaria de ir morar com Ele, e ela muito convicta me falou que gostaria, mas que não tinha dinheiro para isso. Fiquei surpresa com aquela resposta! Explicamos para ela que não necessitava de dinheiro, apenas que ela cresse em Jesus o filho de Deus, e então, aliviada por não precisar pagar, ela falou que queria sim e então oramos juntas, e Pla estava tão consciente do que se passava que juntou as mãozinhas em sinal de reverência e fechou os olhos... Eu orei por ela tão emocionada e feliz em saber que poderia acontecer qualquer coisa a partir dali, mas sua alma estaria salva.

  Pla se foi, mas teve pessoas que se importaram e a receberam de braços abertos durante seus últimos dias, já não estava mais abandonada. Se foi com dignidade eu posso dizer, e a única coisa que me alegra é que eu cumpri minha missão quando a ajudei a encontrar o seu caminho de volta para casa, de volta para o Pai.