24 de abril de 2011

Jejum




                                                                        ESTUDO SOBRE JEJUM
                                                   Texto Base: Isaías 58.

"Grita a plenos pulmões, não te contenhas, levanta tua voz como trombeta/ e faze ver ao meu povo a sua transgressão, à casa de Jacó o seu pecado. É a mim que eles buscam todos os dias, mostram interesse em conhecer os meus caminhos como se fossem uma nação que pratica a justiça, que não abandona o direito estabelecido pelo seu Deus. Pedem-me leis justas, mostram interesse em estar junto de Deus!" - Bíblia de Jerusalém. 


  Esse capítulo, como quase todo o livro de Isaías, é escrito (nos originais hebraicos), em versos rimados. A tradução que usamos para os versículos de hoje utilizam para respeitar essa singularidade. Como esse texto específico não nos diz muito sobre nosso assunto, vale estudarmos um pouco do contexto em que ele está inserido. Muitos historiadores bíblicos acreditam que esse capítulo inteiro, juntamente com boa parte do final do livro de Isaías (capítulos 55 à 66) foi escrito num período histórico onde o povo judeu estava voltando de um longo e dolorido exílio na Babilônia. John Collins, no Comentário Bíblico das Edições Loyola (São Paulo: 1999, volume II, pg.41) lembra que depois da queda da cidade de Jerusalém, por causa do pecado da nação de Israel, no ano de 586 antes da nossa era, os judeus criaram o costume de jejuar por quatro dias em alguns meses que lembravam a desgraça da nação. O texto de Isaías,
capítulo 58, segundo ele: "nega que essa observância tenha algum valor intrínseco", ou seja, em si o ritual do jejum não tem valor algum. O autor continua afirmando que: "Ele não se opõe ao ritual como tal [...]. Entretanto, o ritual só tem valor quando é a expressão de uma sociedade justa. Por si só, a auto-humilhação [expressa através do ritual do jejum] não é um bem; alimentar os famintos é. Mesmo que os historiadores estejam errados, e esse texto não seja uma referência a sociedade judia pós-exílica, não podemos deixar de atentar a precisão com que ele descreve o caráter de muitos
crentes, sobretudo o Israel do Antigo Testamento. É extremamente fácil preferir a religião em detrimento ao relacionamento pessoal com nosso Pai, utilizar um ritual ou um costume para fugir de nossas responsabilidades. Mais do que "jejum", o assunto desse texto é sobre comunhão com Deus e com o próximo.
  "Grita a plenos pulmões" - Bíblia de Jerusalém, nos diz o autor. "Grita" traduz o hebraico qera', mais que um simples berro, uma "proclamação, um chamamento, algo lido em voz alta" , (Strong, no 7121). A Septuaginta traduziu-o para o grego anaboeson, cuja raíz significa chorar. Isso nos dá a primeira lição a respeito do texto. Devemos proclamar para o povo de Deus essa verdade, ou seja, o jejum verdadeiro, tema do texto de Isaías, não é algo para ser apenas feito, mas proclamado, denunciando o que é errado e estabelecendo-se o certo. A voz do Senhor tem de ser ouvida. Mas,
segundo a interpretação dos gregos, deve-se também chorar pela restauração do verdadeiro jejum.
  Os dois primeiros versos fortalecem a afirmação veemente feita na primeira palavra. É desnecessário traduzi-los novamente, uma vez que não acrescentariam muito do ponto de vista prático. Mas nos chamou atenção o fato da importância desse tema para Deus. Ele exorta o profeta a levantar a sua voz com todas as forças que possui, e em seguida apontar um pecado cometido por seu povo. Talvez esse ponto específico seja o mais grave de todo o texto. Sabemos que ele trata do jejum, a maioria de nossas Bíblias até intitulam o capítulo como "O Verdadeiro Jejum" (ou algo parecido), isso implica que, se o texto fala do que é verdadeiro, a prática do "falso" é extremamente grave, um pecado terrível diante de Deus. "levanta tua voz como trombeta" - a palavra para trombeta no original hebraico é shophar, e quer dizer "chifre de carneiro" (Strong, no 07782).
O chifre significa autoridade, poder, força. A primeira vez em que o shophar aparece foi no Monte Sinai, quando Deus está falando com Moisés (Ex 19.16). O povo, ao ouvir esse som (aliado com os trovões, relâmpagos e o fogo no monte) tremeu assustado (Ex 20.19). A partir de então passaram a ligar o som da trombeta à voz de Deus (Ap 4.1). Quando ela soava, algo importante e crucial estava para acontecer, como os milagres da queda das muralhas de Jericó (Js 6.5,20) e da vitória dos israelitas contra os midianitas (Jz 7.22); a convocação do povo por Eúde (Jz 3.27) e para o arrependimento (Jl 2.15); o o anúncio de algo, como o fez Saul (I Sm 13.3), avisando ao povo do ataque aos filisteus; a coroação de reis, como Salomão (1 Re 1.34,39). Era uma maneira de chamar a atenção para algo em que todos deveriam se reunir (como em Is 27.13). Havia ainda a Festa
das Trombetas, que dava início ao Ano Novo, realizada no primeiro dia do sétimo mês (para nós, entre Setembro e Outubro). Era uma festa que colocava o povo diante do Senhor para receber o seu favor. Dez dias depois era realizado o Dia da Expiação, quando todo o povo deveria se humilhar e jejuar. Nesse dia, o Sumo-Sacerdote adentrava o Santíssimo Lugar no Tabernáculo para purificação do povo.
  Quando o Senhor diz para Isaías levantar a voz como trombeta Ele lhe dá a devida autoridade para chamar a atenção do povo com grande força. Era responsabilidade dele mostrar a todos esta mensagem. É responsabilidade nossa viver o que Isaías pregou nesse capítulo e também mostrar aos
demais a maneira correta de se jejuar. "Anuncie ao meu povo a rebelião dele,/ e à comunidade de Jacó, os seus pecados" - (Nova Versão Internacional). Em grego, a palavra para "anuncie" é anaggeilon, uma das raízes do termo "Evangelho", hoje seria equivalente a expressão utilizada para tornar publicamente conhecido algum fato, mas para os leitores primitivos da Bíblia significava muito mais que isso. Queria dizer que algo muito importante estava para ser dito.
  No caso específico desse texto esse fato importante que estava para ser noticiado era a piš'am de toda a nação. Esse termo designava basicamente, segundo Vine: "divergência volutariosa e, portanto, rebelião, o caminho da vida impiedosa" (Vine, hebraico, verbete "TRANSGREDIR", pg. 314). Isso torna mais sério ainda nossos estudos acerca do Jejum. Implica que praticar tal ritual sob motivações estritamente religiosas, sem a vida que será transmitida e até exigida pelo texto que se segue nesse capítulo de Isaías nos levará, a nós e a toda a Igreja que o comete, a uma realidade de rebelião contra o Senhor, devida a insistência numa conduta errada. Com o decorrer dos estudos sobre esse texto essas palavras farão cada vez mais sentido, contudo o primeiro versículo nos alerta para algo muito grave. Por exemplo, a raíz de é piš'am encontrada em Salmo 51.3, onde é traduzida justamente por "transgressão" (segundo o dicionário Houaiss, transgredir significa ir além de, não cumprir, não observar (uma lei ou ordem), infringir, violar).
  A raíz etimológica da palavra traduzida por "pecado" é extremamente esclarecedora para nossos estudos e serve para ilustrar bem aonde queremos e precisamos chegar, ao afirmar o que significa a prática errada de qualquer princípio bíblico. Tanto o hebraico chatta'ah quanto o grego querem dizer "errar o alvo", uma descrição bem prática e definitiva do que é "pecado". Assim termina o primeiro versículo do nosso texto base, com uma dura afirmação da importância do tema a ser tratado. E diante disso nossos corações devem encher-se de temor por aquilo que o Senhor nos pretende revelar em sua Santa Palavra a respeito de um tema hoje tão negligenciado por todos nós: a prática do Jejum.
  No versículo dois vamos nos poupar de estudos etimológicos e focar numa questão crucial: a quem esses versos se referem? A Israel! E quem é quem representa, nos dias de hoje, simbolicamente a Israel? Segundo os textos de Romanos 9.6-8; Gálatas 6.16; Colossenses 2.17 e Hebreus 10.1, somos nós, a Igreja de Jesus Cristo.
Assim, nosso texto base expande de maneira significativa o horizonte do debate. Percebam como o versículo segundo parece descrever com certa riqueza de detalhes nosso comportamento, aliás, comportamento do cristão mais fervoroso. Quantos de nós já procuraram com muita devoção a Deus?
  Buscando com coração sincero sua justiça, sua proximidade? Os estudos dos princípios contidos em Isaías 58 vão nos levar a rever nossos conceitos de adoração a Deus, não só apenas no jejum, mas em toda a vida. Amanhã aprenderemos um pouco mais sobre o Jejum em si, nos versos chave para isso nesse capítulo, mas, a título de reflexão, propomos a leitura de três graves avisos da Bíblia sobre reverência a nosso Deus, que partiram de Isaías e foram parar nos lábios de nosso Senhor Jesus Cristo.