11 de setembro de 2016

Complexo de culpa do missionário

A vida cristã é única em diversos sentidos. Quando fala-se de missões, romantizamos e idealizamos como seja viver essa vida. Esse texto é o relato pessoal de uma missionária que luta contra o complexo de culpa que sentimos quando não estamos “com a mão na massa”. É uma exposição do que sente a maioria dos missionários, um importante lembrete sobre o cuidado missionário, e uma reflexão importante a todo cristão, onde quer que esteja, o que quer que esteja fazendo.
“Eu estava morando em Uganda por 5 anos quando comecei a colocar em prática um plano para cuidar de mim mesma. Estava um pouco atrasada nesse projeto, mas mesmo assim já ajudava um pouco com o cansaço e estafa.
Naquela manhã, decidi que iria para o escritório duas horas mais tarde que o normal, para poder deitar um pouco no meu colchão de exercício e absorver as músicas de louvor que tocavam no meu computador. Isso fazia parte de um exercício que eu praticava para esvaziar a mente e ouvir a Deus sem me preocupar com as demandas que se acumulavam no meu escritório. Porém, no momento em que deitei e fechei meus olhos, e tentei focar minha mente em Deus, me senti culpada.
Me senti culpada por saber que existiam coisas mais importantes para fazer e serem resolvidas. Eu tinha uma newsletter para enviar, uma aula de discipulado para preparar, uma mulher que precisava de visita no hospital, uma questão para resolver na equipe. Eu me senti culpada por tirar um pequeno tempo para cuidar de mim. Me senti egoísta quando tanta gente precisava da minha ajuda.
Agora que tenho aconselhado missionários e voluntários transculturais, um dos temas recorrentes que continuam a aparecer em quase todas as conversas é essa questão do “complexo de culpa do missionário”.
Basicamente, a gente se sente culpado por tudo, o tempo todo. Culpa por não termos conseguido ajudar mais, culpa por não ter mais recursos para fazer um trabalho melhor, culpa por não vermos nossas famílias, culpa por nos permitirmos cuidar de nós mesmos por alguns minutos ou horas. A culpa parece estar incutida em nós.
Temos dificuldade em administrar todos os papéis que precisamos cumprir, como marido e esposa, pai e mãe, ser irmãos, amigos, filhos, diretor, auxiliadores. Assim, nos sentimos mal toda vez que tiramos um tempo para cuidar de nós mesmos. Alguns de nós nem sabem direito como fazer isso. A gente sente que devia estar fazendo outra coisa.
A culpa é um tirano cruel sempre exigindo que façamos mais.
Repetidamente, as mulheres me fazem as seguintes perguntas:
E se eu ficasse em casa e eu mesma ensinasse-as?
E se eu tirasse apenas um dia de folga para ficar com meu marido?
E se eu arranjasse um tempinho para malhar?
E se eu chegasse um pouco mais tarde no trabalho?
E se eu simplesmente fosse pra casa?
Isso seria o suficiente?
Mas o que estamos realmente perguntando é: “Será que eu seria suficiente?”
Uma das lições mais difíceis de aprender é que Deus não me ama menos se eu não conseguir fazer tudo. O amor de Deus não depende do que faço ou deixo de fazer. Ele não fica mais orgulhoso de mim se estou abraçando um órfão em vez de estar sentada no meu sofá. Ele me ama pois sou Sua filha.
Como uma perfeccionista em recuperação, entender isso foi essencial para minha cura. Assim como foi importante me dar a permissão de cuidar de mim e aprender que isso, na verdade, era algo que Deus quer eu faça, por mais que isso seja difícil.
“Ame ao próximo como a ti mesmo.” Como posso esperar ter compaixão pelos outros se não tenho compaixão por mim mesma? Se estou constantemente me punindo pelas coisas que não alcancei e deixei a desejar? Existe uma pergunta que preciso me fazer constantemente: “Eu trataria alguém dessa maneira? Exigiria tudo de alguém, até que não tivesse mais nada pra extrair dela, constantemente esperando mais dessa pessoa? Eu faria essa pessoa se sentir culpada todas as vezes que ela não conseguisse entregar aquilo que espero?”
Não, é claro que não. Então por que faço isso comigo?
A outra coisa que precisei entender é que se eu não cuidar de mim, me tornarei mais e mais desagradável, e precisarei de alguém que cuide de mim, já que eu não fiz isso. Isso claramente diminui minha capacidade de amar. Um dos maiores erros que cometemos em missões é que ensinamos as pessoas a morrerem para elas mesmas (Mt 16:25), mas não ensinamos a como viver em paz e alegria consigo mesmo.
Uma das maneiras para termos paz é por meio de uma “inteligência corporal”, prestando atenção aos sinais de nosso corpo e mente, uma vez que o estresse quebra nossa conexão com Deus. Ouvir a “inteligência corporal”, que ajuda você a perceber como o seu corpo está respondendo a certas situações, é uma boa maneira de ficar em contato com seu ‘interior’. Acredito que é aí que o Espírito Santo fala conosco.
Uma dica de como fazer isso: sente em uma posição confortável, feche seus olhos e inspire e expire profundamente algumas vezes. Você pode perguntar ao seu corpo o que ele realmente precisa. Se você está em um momento em que precisa tomar uma decisão, pense no panorama geral desse assunto, perceba as sensações no seu corpo: você sente um nó no estômago? Seus ombros ficam rígidos? Você range os dentes? Quando você pensa na próxima situação, quando tudo estiver resolvido, você sente seu corpo relaxando?
Aprender como seu corpo reage e mostra seus sinais é essencial para aprender a cuidar e tomar conta desse templo de Deus que Ele próprio nos deu.
Comece com algo pequeno hoje. Coloque para fora toda a culpa que você sente. Prometa a você mesmo que fará uma coisa, apenas uma, todo dia, para cuidar de você mesmo e que você não vai se sentir mal por causa disso. O exercício físico é uma das primeiras coisas que deixamos de fazer quando nos mudamos, seja por não nos sentirmos seguros na nova cidade, não conhecermos a região para caminhar ou correr, a falta de academia ou o preço alto delas.
Ainda assim, fazer exercício é uma das coisas mais benéficas que podemos fazer no cuidado de nós mesmos, pois liberamos endorfina, reduzimos o estresse e melhoramos nossa imunidade. Sei que não é fácil cuidar de nós mesmos nas condições extremas de trabalho que muitas vezes temos. Precisamos pensar em soluções criativas, como DVDs de exercícios, ir de bicicleta para o escritório, fazer exercícios de alongamento em casa, fazer longas caminhadas com os amigos.
Por último: a única maneira que conheço para se conectar com essa alegria é render-se. Renunciar à minha necessidade de ter controle sobre tudo, de salvar o mundo, de ter todas as respostas ou entender o motivo do sofrimento da humanidade. Abrir mão disso e voltar minha atenção ao meu eu-interior. Me jogar nos braços de Cristo e deixar o resto fluir.
Então, vá em frente. Eu estou dando permissão para você cuidar de você mesmo. É sério: está tudo bem fazer isso. É algo necessário para você.
O que é essa uma coisa que você pode fazer hoje para cuidar de você mesmo sem se sentir culpado?”
(Texto original em inglês: Letting Go Of The Missionary Guilty Complex, Sarita Hartz)