O mês de agosto de 2009 marca um ano da violência contra os cristãos em Orissa. Depois dos ataques, colaboradores da Portas Abertas visitaram algumas pessoas e ouviram seus relatos sobre a violência. Abaixo, segue um texto especial sobre as ações realizadas para socorrer nossos irmãos. Confira também, em breve, a nossa nova página especial sobre a Índia um ano após os ataques
O relatório abaixo foi feito por um colaborador da Portas Abertas que visitou Orissa em abril de 2009.
“Uma quantidade variada de tendas agrupa-se do lado de fora da aldeia de Rudangia, nas colinas do Estado de Orissa. Algumas palavras trocadas com os soldados armados na entrada do acampamento nos permitem fazer uma visita curta.
Dirigimos por três horas e meia em uma estrada esburacada pela zona rural para chegar à fronteira de onde ocorreu o pior caso de limpeza religiosa da Índia, nos meses de agosto e setembro de 2008.
Entramos em uma pequena choupana e, enquanto nos sentávamos no chão, fomos rodeados pelos habitantes do local.
Um jovem contou a história da vila. Eles sabiam da violência nas redondezas, e organizaram vigias para avisar o vilarejo caso agressores se aproximassem. Mas ninguém conseguiu resistir quando os extremistas chegaram.
Na noite de 29 de setembro, os vigias contaram 300 tochas descendo à vila, em todas as direções. O vilarejo foi cercado, todas as chances de escapar se tornaram impossíveis. Em 30 minutos, 74 casas foram incendiadas. Tudo ficou escuro, esfumaçado e caótico. Os extremistas chegaram com pistolas, machados, facões e outras armas brancas, enquanto os aldeões tinham apenas pedaços de pau para se defenderem.
Nosso jovem intérprete nos disse que, durante a confusão, ele foi abordado por hindus que lhe perguntaram: ‘Então, quem vamos matar agora?’. Uma mulher morreu e12 pessoas foram hospitalizadas – uma delas tinha 17 projéteis no corpo.
As 230 famílias de Rudangia estão entre os 50 mil cristãos indianos que perderam suas casas durante a violência orquestrada por ativistas hindutva. A onda de ataques começou depois da morte de um líder hindu, assassinado por maoístas.
Enquanto as notas oficiais afirmam outros números, os cristãos indianos relatam que mais de 500 pessoas morreram, e milhares de igrejas foram queimadas. Hoje, os sobreviventes reúnem-se às centenas em acampamentos por toda a região.
O que torna Rudangia um lugar especial é que a comunidade cristã se recusou a ser mandada para os campos de refugiados distantes de sua terra. Eles insistiram em fazer seu próprio acampamento, perto de sua vila.
A vida espiritual é palpável aqui. As três comunidades cristãs existentes decidiram se unir e cultuar a Deus na única igreja cujo telhado ainda está de pé. A perseguição acabou por unir os cristãos.
Formos levados à igreja onde havia um culto em andamento, com mulheres e crianças sentadas de um lado e homens do outro. Muitos têm Bíblias. Eles se sentam no chão e ouvem o pregador. Apesar da alegria durante o culto, ainda há o desespero de se encontrar em uma situação sem saída. Essas pessoas são prisioneiras em sua própria terra.
Um homem aponta para os limites de uma vila hindu, próxima dali. ‘Olhe, essa é a nossa fronteira, como a fronteira entre o Paquistão e a Índia’, ele diz. Compreendi a ilustração: duas comunidades em confronto, carregadas de suspeitas.”
Um ano depois...
No dia 23 de agosto de 2008, um ativista que atuava contra missionários cristãos em Kandhamal, distrito de Orissa, foi assassinado. Uma guerrilha maoísta assumiu a responsabilidade pelo crime, mas forças extremistas hindus usaram o assassinato para criar uma onda de violência que tomou conta de Kandhamal e de mais 13 distritos do Estado.
Esse foi considerado o pior caso de perseguição religiosa na Índia desde sua separação do Paquistão em 1947. Segundo relatos, mais de 54 mil cristãos ficaram desabrigados, 315 aldeias foram completamente destruídas, 120 pessoas foram assassinadas e milhares ficaram feridas.
Segundo estimativas do governo, 252 igrejas foram destruídas. A violência não cedeu por mais de dois meses e meio. Até hoje, há, na região, o medo de que os conflitos recomecem a qualquer momento.
Ainda há 4 mil pessoas vivendo em campos de desabrigados, e milhares não voltaram às suas aldeias temendo morrer ou serem convertidos à força ao hinduísmo. O Exército mantém o controle, mas os cristãos tentam imaginar o que acontecerá quando o Exército partir, pois é certo que os soldados não ficarão lá indefinidamente.
Durante a onda de conflitos, a força policial não fez nada para proteger os cristãos. Eles disseram a um colaborador da Portas Abertas que visitou a área no fim de abril: “Tememos voltar aos nossos campos”. Semanas antes, um cristão foi morto enquanto ia a pé para a cidade. Seu corpo foi arrastado para a selva e só encontrado dias depois. O assassino não foi identificado.
Os cristãos não podem nem reparar suas casas. Os hindus proibiram-nos de entrar na floresta para pegar madeira. O governo alocou 20 mil rúpias para a reedificação de casas parcialmente destruídas, mas a maior parte desse dinheiro foi gasto em alimentação e cuidados médicos nos últimos meses.
Medo é outro motivo que impede as pessoas de voltar para casa. As vítimas da violência são condenadas a viver em cabanas a poucos passos de distância de suas casas.
As casas hindus são marcadas com bandeiras alaranjadas. Ao lado delas, as casas dos cristãos jazem em ruínas. Assim como os judeus foram condenados a usar estrelas amarelas sob o regime nazista, os hindus deram-se ao trabalho de identificar as casas de quem é cristão e de quem não é.
Até os campos foram marcados com bandeiras cor de laranja.
Incapazes de cultivar sua terra, de recuperar suas casas e de recomeçar a vida e excluídos da escola e do mercado, as vítimas da violência de Orissa se encontram em uma armadilha, dependentes da pequena ajuda que recebem do exterior.
Há só um modo de descrever o que aconteceu. Não foi limpeza étnica, foi antes uma limpeza religiosa. As igrejas estão sendo substituídas por novos templos hindus. Nos restos dos templos cristãos está escrito “A Índia é para os hindus”.
Mas os cristãos de Orissa não abandonaram sua fé. Mais do que nunca, eles dependem de nós para ajudá-los e ampará-los na luta que travam para praticar sua religião em sua própria terra e aldeia.
À medida que os meses passam, e as barracas provisórias em que eles vivem começam a apodrecer sob o sol de 40°, e as chuvas de verão, é importante que não os esqueçamos.